quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Papiloscopia na alma

 

Esse bem poderia ser um texto de despedida de alguém que se fartou do novo anormal e, optou guardar as lembranças das digitais especiais que foram tatuadas na sua alma. Uma despedida não cronológica de tudo que foi mágico e virou história e saudades que se confundem em meio à lágrimas, soluços e sorrisos. Ah, como ela queria se despedir de cada um deles para conhecer o que se tornaram. 

Os que fizeram alguma história naquela única vida.

Comecemos por você, que não tem um nome por aqui, e por ironia do destino ou providência divina é o mais próximo hoje em dia. Foi um acaso aquele Réveillon que os meu pais ainda escolhiam por mim e, com a ajuda de um anjo que partiu para o céu ou purgatório, me deu cigarros, bebidas e você. Certeza de que fizemos pedidos diferentes durante os fogos da meia noite e eu acabei por te magoar.  Nós éramos deveras diferentes e você jamais curtiria as minha baladas frenéticas e ostensivas. Você sabia, que naquele momento eu não tinha o menor juízo para ter um compromisso em cidades diferentes. Era o meu momento de deleite e devaneios, teria te magoado muito mais do que, sem intenção, o fiz. Mesmo assim, suas digitais ficaram marcadas logo no início dessa história. E quem diria que elas ainda esquentam nas lembranças inocentes de como éramos. Do que éramos. 

Algum tempo depois, aparece você, que nunca mencionei no blog, dizia ser meu jardineiro e tinha planos para patentear as minhas ancas. Você sempre me desafiava num ambiente o qual você era minha autoridade, e eu sempre gostei de desafios, você só não sabia que minha determinação era tanta que até consegui que a situação se invertesse e eu me tornei a sua "domadora". As nossas fotos nos mostram o tamanho da nossa cumplicidade pelos olhares e sorrisos debochados. Você foi aquele amante que se torna amigo e o tamanho da intimidade é tanta que as horas passavam, e nem víamos que ficamos a noite toda conversando ou conjecturando, e se alguém ouvisse nossos papos, acabaríamos numa casa de custódia.
Ah meu jardineiro, como eram boas as nossas gargalhadas! Tão boas que me custaram um "mea culpa" sem desculpas até hoje, e pelo jeito, estas correntes eu as arrastarei para o meu túmulo. Não por conta dos segredos nada segredáveis mas, por ter dançado aquela valsa com você, e isso pesa um tanto que se pudesse voltar no tempo, você seria carta fora do baralho. Aqui eu abriria mão de qualquer estação, sem qualquer consentimento. 

Já você Tozé, desde o início foi o lord. A começar pelo oceano que nos separava, mas que parecia um córrego de tão perto que estávamos sempre que podíamos. Dançar descalça com os olhos fechado foi a sensação mais mágica e pura que já tive estando bem próxima a um homem. Você me deixava falar, falar, falar, falar tantas coisas desconexas e embriagadas, me via rir e chorar e me achava a mulher mais linda desse mundo todo. Um boneca cheia de laços, sem sapatos, pois você os tirava, que você cuidava como se fosse um bibelô raro. Já te disse, eu odeio nossas fotos, mas as guardo com carinho junto com o lápis, a rosa e o CD. Guardo seu jeito delicado e protetor que sempre esperava eu adormecer para sair devagarinho. Até o dia em que eu fechei a porta e descobri que, algumas paixões têm prazos de validade. E chorei baixinho, sozinha. E este foi o nosso fim. Sem mágoas, sem dramas.

O amor do Pequeno Principe foi bem diferente daquele do livro. Ela usava Gabriela Sabatini e dançava Perlla. Fora de casa éramos um casal fino e comportado, sem nada alcoólico. Você sempre impecável com algum terno a lá Alex Turner workaholic ou Harvey evangélico que escondia o cara mais divertido de todos. Taurino nato e naturalizado, requintado e elegante. E ouvia minhas histórias de bonequinha emocionalmente destruída com a maior paciência do universo. Poderia ter desistido no primeiro encontro, mas preferiu ficar nas noites de Inverno e aquecer um pouco aquele meu coração quebrado e gelado. Ninguém, naquele momento, poderia consertar aqueles buracos abertos e sangrentos. E deixei você ir logo que aquela tarde de Novembro surgiu mais uma vez. Ela sempre se enclausura quando as inquietas sombras cismam em aparecer.

"Vou colocar no papel as reminiscências que vierem vindo, assim viverei de novo o que vivi. Comecemos por uma célebre tarde de Novembro, que eu nunca esqueci, tive muitas outras melhores e piores, mas aquela nunca se apagou no meu espírito. É o que vais entender lendo.”
Essa digital merecia um texto só para ela, mais um de tantos que já escrevi. E digo-vos, é a mais bela e triste de todas que me tocaram, a mais leve e pesada porque não teve desfecho e isso é imperdoável, dilacerante. É a parte da história que as reticências se fizeram ponto final como uma ferida que, hora e outra cisma em abrir e arde, dói e fica visível para quem quiser caçoar ou se compadecer.
O sorriso mais bonito do universo sempre foi o dele. Sorriso aberto de alguém que ama o presente. O mais autêntico é intenso. O cara mais sensível que eu já conheci, quiçá o mais fantástico. Sempre me deixou à vontade, nunca precisei incorporar personagens enquanto estivemos juntos, e eu era a Snow White Adormecida dele. A Bia Louca do Príncipe "Sapo" Louquinho. Porém a imaturidade e a leviandade desta que vos relata, fizeram a casinha da bonequinha desmoronar com o sopro de uma brisa de tarde de Primavera. Ambos se destruíram, magoaram-se e ele nunca a perdoou. Foram tantas tentativas e até hoje se sente Capitu sem Escobar. E como em outros textos, espera talvez um dia, ser absolvida deste crime, para enfim, viver em paz a sua redenção. 

Bia Flor 

Música - Ode to the Mets - The Strokes