domingo, 5 de novembro de 2023

Antes de todas elas (Memórias, crônicas e declarações de desAmor)

Há 23 anos, talvez até esta exata hora, ela estava incólume da primeira decepção mais significativa que iria viver, mesmo o acaso dando sinais de que não era dia de sair de casa, apesar de ter sido convidada para um casamento. Não direi casamento especial, porque todos são, e isso seria redundância, mas aquele, estaria fadada à primeira apunhalada no peito, que doeu e ela sentiu sozinha. E hoje, resolveu, vos contar.

A história da gata que não era borralheira. 

Era um Sábado, assim como o de hoje, e ela foi convidada para um casamento, o qual já começou a dar problemas assim que chegou para o evento. Ao fazer as malas, não trouxe as roupas necessárias, apenas os cabides. A noite anterior tinha sido bem animada. 

Chegou na casa dos pais e não levou uma roupa de festa sequer. E começou o corre para encontrar uma que fosse adequada para um casamento importante. Resumamos esta parte. Encontrou um traje sofisticado porém, nada padronizado, e isso já chamou a atenção. Sem deixar de constar que o secador de cabelos estourou no meio do processo, e teve que secar o restante dos cabelos molhados com a piastra, que destruía aquelas madeixas castanhas e compridas.

Nessa época, Bia Flor nem imaginava que seria criada. Ela estava em processo de vestibular e cá para nós, antes disso, nada era tão interessante para ser notificado neste espaço. Aliás, nem blogs existiam. 

Digamos que este blog virou um tipo de "memórias póstumas" para serem lembradas no funeral e após ele. Historias que não podem ser sepultadas junto com o grande coração dilacerado dela.

Retomemos: Apesar de tudo conspirar contra, acabou chegando ao casamento à tempo de cumprimentar os noivos. Protocolos.

Como não havia chegado dias antes, não conheceu os amigos da noiva que estavam na cidade e isso já gerou um "mal estar" nas outras que estavam pleiteando um tal Gaspar desde os dois dias anteriores. 

Sempre se achou inferior, mas possuía algo magnético e diferente das demais. Talvez o excesso de cultura, o bom gosto musical, o nariz arrebitado, os pés lindos e um 'Q' de arrogância. Não sabia quem era o disputado da vez e nem tinha interesse nesse detalhe, afinal, se sentia meio peixe fora d'água naquela situação. Mas entre olhares, ele a tirou para dançar. Não se lembra agora a música, mas poderia muito bem ser alguma do Barry White - detalhe importante. 

E assim que se apresentaram, ele elogiou os pés dela, calçados num par de sandálias lilás com pedras coloridas, bem delicadas. É atípico, mas os pés são, de fato, bonitos. 

Ele era uma mistura de Nicolas Cage com Kevin Costner, aqueles olhos azuis que davam medo de mergulhar profundamente. O porte atlético, a idade um pouco avançada para ela, que à época, tinha 20 e bem pouquinho anos e ele um pouco mais. E não só isso, um perfil de cara poderoso e dono de si, independente, bem resolvido (aparentemente) e muito, muito bem sucedido. Isso a deixava insegura e ao mesmo tempo deslumbrada. Mas foi apenas uma dança, e até aqui, nada mais.

Todavia, aqueles olhos azuis, e aquela pinta no rosto já haviam à incomodado o suficiente para fazer com que os noivos se tornassem coadjuvantes na festa. Continuou no seu canto, apenas trocando olhares. 

A festa acabou e os insaciáveis queriam mais, e acabaram indo para uma boate perto, onde "passar cerol na mão, mostrar que sou tigrão, te dar toda pressão" era o hit do momento, confesso que nada adequado para aquele tanto de homens com ternos bem cortados e alinhados, e moçoilas elegantes e alcoolizadas, mas era o que tinham naquele momento. 

Entre sinais, acabou fingindo que o pai a ligava e foi embora. E se o destino tivesse sido bacana com ela, esta narrativa terminaria aqui, mas ele quis que ela recebesse, de fato, uma ligação que pedia para esperar na porta de casa. E sentou na sarjeta, de maneira deselegante e desinteressada pois para ela, aquela noite terminaria ali. O cansaço havia batido, e queria entrar para dormir.

Com a cabeça sob os joelhos, o cabelo cobrindo o rosto, eis que vira a esquina o príncipe encantando num Alfa Romeo verde escuro, agora escutando, Whitney Houstoun. Não queridos, não era um playboy ouvindo música eletrônica, exibindo o carro do pai e mostrando o bíceps braquial malhado, com o cotovelo para fora da janela do carro. Era ele, "The Bodyguard" ou "Gone in the Sixty Seconds", era o Gaspar e seus olhos azuis vindo resgatar a gata não borralheira cheia de sono. 

Eles foram dar uma volta para conversar um pouco, e quanto mais escutava, mais deslumbrada ficava, tanto com o que conversavam, quanto o que ouviam de música. Ele era um gentleman e ela, uma menina que tinha acabado de entrar numa faculdade e tinha outros vestibulares para fazer. Ele, um homem estabilizado, ela uma menina começando a conhecer o mundo sem os pais. E ambos ouviam os mesmos tipos de músicas e mantinham um papo no mesmo nível. 

Conversaram até quase amanhecer, e a partir daí, se falavam quase todos os dias mesmo com uns 1000km de distância, e convites para jantares em cidades diversas, os quais eram totalmente fora da realidade dela. E Novembro, sempre Novembro, se acabou e Janeiro, logo chegou. 

E eles se viram todos os dias, apesar de ela ter descoberto que ele tinha uma noiva, o que a deixou magoada por ter mentido, mas continuaram se vendo. Ela tentando não se envolver pois a história teria que terminar ali. 

E se despediram, ele iria viajar de férias, e ela,  fazer mais um vestibular. E depois, não se veriam mais. 

Com a notícia de que havia passado em Direito, recebeu a notícia de que ele estava voltando para vê-la e havia terminado o tal noivado. Os olhos brilharam e foi assim todos os dias daquele carnaval de 2001, os mais perfeitos e cheios de planos para dali um ano se mudar para a cidade dele e começarem uma outra etapa, agora, acompanhada de verdade. Pareciam apaixonados e certos de que os planos iam se concretizar.  Assim, ela retornou para sua cidade, e ele para a dele, na expectativa de que, em breve, estariam juntos novamente. 

E os dias iam passando, outros arrastando, eles se falavam, trocavam mensagens e emails, mas a frequência foi diminuindo. Os dias eram corridos para ela que fazia duas faculdades e para ele que vivia viajando para fazer audiências. E assim, alguns telefonemas começaram a se desencontrar, mensagens na caixa postal, celular fora de área ou desligado... Até que, numa Terça feira, às 01:15h ela recebe uma mensagem na caixa postal que dizia: ""Princesa", eu não tenho atendido suas chamadas porque eu voltei para a minha noiva".

Pois então, caros leitores, faltou ar, assim como agora, ao transcrever isso, os olhos lacrimejaram e os planos... Não seriam mais planejados. Doeu, doeu da mesma maneira que dói quando ela se lembra disso. E assim, a tecnologia faz um "amor" se acabar, sem ter que se dar maiores satisfações, ou num português claro, sem o cara ter culhão para terminar o relacionamento de forma adequada. Em lapsos de segundos conheceu o primeiro cafajeste. 

A partir dali, nunca mais ligou para ele. Mas ele ainda a ligou, bêbado, dizendo que estava arrependido, e que iria dar um jeito na situação. Que sentia saudades dela e falta da leveza que ela levava para ele. Porém, nada aconteceu. E a história do ex gentleman e da plebeia universitária termina aqui. 

"Eu conheço todo jeito, todo vício, sem te tocar, Choro indo, chôro vindo, conheço o fascínio, alto de altar. Desconheço a certeza que lhe fez exagera e abrir meus poros. Cavar flores sem lhe ver, chega pra envolver, envolver querer. Lavar flores sem lhe ver, chega pra envolver, envolver querer. Lavrador ou semideus, queima de amor, seja como for, tema de amor."

Ela poderia contar a parte sórdida do pós telefonema, mas é melhor poupar os personagens, já que nunca mais tiveram notícias um do outro, a não ser pelas matérias da "Folha de São Paulo" sobre um tal escândalo do "Mensalão". Famoso "Troféu Bigodagem"!

Pois diga ao livramento que, aquela menina do interior, manda lembranças. 


Bia antes da Flor
 


Música - Run to you - Whitney Houstoun