quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O seu verso favorito

     Toda história presume-se ser escrita por partes, e esta, bem diferente das demais, por enquanto, se divide em 2 capítulos. 
    Comecemos, então pela ordem cronológica dos fatos. 

Introdução

    Era uma vez... Brincadeiras à parte, não se trata de contos de fadas, irreais, às vezes com requintes de crueldade (apesar de que, algumas das personagens sejam malvadas - talvez participem de algum capítulo por aqui). Não teremos lenhadores, espelhos que falam, maçãs envenenadas, casinhas de doces, bruxas malvadas, caldeirões com poções mágicas, convidados rejeitados, feitiços e muito menos uma princesa sem sal e um príncipe blasé. Capitu, Bentinho e Escobar, sem chances também. 
    Comparemos com o amor de Beatriz e Dante às avessas, e assim sendo, iniciemos por aqui. 

Capítulo I 

"Nitimur in vetitum semper, cupimusque negata"

    Eram jovens, belos e apenas conhecidos. Ah, a beleza sempre a encantou, e hoje compreende o porque de admirar e se deleitar tanto com isso. A beleza é divina, tem um valor tão importante quanto a verdade e a bondade, e foi assim que durante anos, apesar de apenas admirá-lo fisicamente, eram quase palpáveis a beleza e a bondade.
    Não eram de passar horas conversando ainda que se esbarrassem na noite. Poucos minutinhos de papos superficiais e tentativas frustradas de investimentos da parte dela. Diz-se que ele não percebia, deixemos subentendido. E assim seguiam, cada um com a sua vida. Pouco se sabiam um do outro, mas ela o olhava, afinal, não existia nada de mal nisso, olhava-o sem desrespeitá-lo, porém, por vezes, desejava-o, não aquele desejo pervertido e lascivo. E assim, seguiram, ele com sua Beatriz, e ela, sem Dante. 
    No entanto, o inferno de Beatriz quis afastá-los por anos a fio. Sem opção e com muitos dedos apontados, acorrentaram-na num destino infeliz, dolorido, vazio, sem sentido e sem propósito. Sua redoma explodiu, o castelo desabou, machucaram-na física e psicologicamente. Viu-se sozinha, desemparada e sem suas mãos dadas. Seu único amor partira e a vida resolveu esbofeteá-la. Realmente, o inferno não foi um lugar bom de se viver, mas era o que tinha. Fora condenada por pecados jamais cometidos, jogada ao léu, julgada por todos. 
    Parece que Deus se compadeceu desse sofrimento, e num sopro de caridade resolveu presenteá-la com mãos pequenas, porém repletas de amor, um amor diferente de todos que já havia conhecido, um amor capaz de matar e morrer, um amor iluminado e que a salvou das trevas fétidas e imundas, do calor e do gelo que a queimavam e faziam doer a alma. E o Juiz Eterno a concedeu acesso a uma outra instância, fora viver no Purgatório, privilégio inexistente para quem conhece a escuridão, mas a intercessão dos seus anjos promotores convencera o júri celestial de que ela merecia uma única chance por ter se portado de maneira "...soberba, gigante. Sua existência justificada naquilo que de mais nobre se justifica a vida." 

Capítulo II 
    
"Ichi bin wahrschenlinch nitcht dein erster Partner, Kuss oder Liebe, aber ich wurder gerne dein letzter sein."


    E foi assim, vivendo seu Purgatório na terra que passava os dias. Ligada no automático, por vezes desleixada, desmotivada e completamente despedaçada por dentro e por fora, apesar de ter um amor que a fizesse ter uma força escomunal para enfrentar todas as más sortes que surgiam. O amor que toda mulher deveria sentir, amor imaculado, puro, pulcro. O amor que exala o perfume de Deus, amor que a fazia sorrir, já que, devido ao cansaço exacerbado, não conseguia mais chorar. O amor que dá significado à vida, completude, a razão verdadeira de se existir, de não entregar os pontos, o amor da criação. 
    Por fora já havia desistido de se tornarem três, quatro, cinco... Eram apenas os dois e sem brecha alguma para outra pessoa adentrar no seu mundo materno. Uma única tentativa cheia de mentiras e sem planos futurísticos a fez realmente se fechar por dentro. A preguiça de uma ação era muito maior do que a chance de se movimentar. Interessava-se com a mesma rapidez que se desinteressava. Nada valeria uma noite sem dormir, uma produção um pouco mais elaborada, absolutamente nada. Às vezes um fogo de palha que se apagava com o menor ventinho de final de tarde ou início da manhã. O entusiasmo e o sangue que davam gás eram apenas os assuntos políticos, ali era onde extravasava toda energia acumulada, onde aconteciam as conspirações, os planejamentos e o sentimento de poder. Ali era o que a trazia para motivação, onde surgia o tesão, a realização de estar onde sentia prazer. 
    Porém, em meio à dias tediosos e desmotivados, resolveu dar uma olhadinha num tal aplicativo constrangedor, bizarro e sem propósito. Um conversante? Talvez, mas com muita preguiça! Um encontro? JAMAIS! Naquele lugar nunca teve nada interessante, não seria diferente agora. Mas a curiosidade e o deboche surgiam e fizeram-na com que zerasse aquele mundo baixo por várias vezes. 
    Já sem a menor paciência para as notificações, e para surpresa de zero pessoas pegou o celular para desinstalá-lo. A última olhadela e pronto, daqui uns cinco anos quem sabe reinstalaria para dar mais algumas risadas? Até que um rosto conhecido apareceu. Ficou estática por uns 10 minutos sem saber se clicaria no tal coraçãozinho, um filme se passou pela cabeça e com a única intenção de ter notícias recentes a fez clicar. Ele tinha uma Bia... Como será que a Bia estaria? Certeza de que ele escolheu esse nome em homenagem à Beatriz de Dante às avessas. Era óbvio que escolheria o nome mais bonito do mundo para ela. A modéstia nunca fora uma perfeição, afinal ter um nome desses... Dante nunca cometeria o erro de se apaixonar por outra pessoa, senão Beatriz. 
    Em poucos minutinhos, ambos já estavam conectados. O "apenas saber como ele está" caiu no esquecimento e virou "vício". Conversaram por horas e horas, "e a vontade crescia como tinha de ser".
    Os dias subsequentes foram uma loucura, perdiam-se sono, hora, responsabilidades se acumulavam, noção e até o juízo. Em contrapartida, apenas a tela do celular já não era mais o suficiente, precisavam se reencontrar. Necessitavam sentir a energia pessoalmente, olharem-se nos olhos, se enxergarem mesmo. Entre agendas tumultuadas deram um jeito e aquela sexta-feira fria e chuvosa chegou.
    Já estavam no mesmo local, porém não se encontraram ainda. Pela primeira vez, após anos, ela iria se produzir para um encontro. Tudo minuciosamente planejado, o script não poderia sair do roteiro, pelo menos não o que ela construíra em sua cabecinha de vento.  A cada minuto que passava, o nervosismo aumentava, o coração acelerava, a boca secava, a respiração tornava-se curta, as mãos tremiam e a insegurança surgia. Já não era mais aquela menina tão bonita e com um corpo em forma. A idade, a maternidade, o metabolismo e o colágeno foram um pouco cruéis com a "garota da vitrine" - talvez estes tenham sido um dos piores castigos que o Purgatório lhe proporcionara - sua imagem refletida num espelho real. 
    C'est le grand moment - Eles se viram! E é óbvio que ela sorriu! Assim como escreve sorrindo e com o coração acelerado em se lembrar daquele momento MÁGICO! Era ele, seu Dante! A partir dali sabia-se que Deus, novamente, ouviu seus intercessores. Quanta vezes, secretamente, ela pedia para que um dia fosse digna de merecer alguém que a fizesse sair do prumo. Por mais dura que tenha sido consigo, se fechando para um outro tipo de amor, mentindo para si, se sabotando, no fundo do coração, ela sabia que ela precisava ser "salva". O inimaginável estava diante dela, e parafraseando o mesmo - "FOI LINDO!" Gentilmente ele a ajudou a descer o degrau, eles se abraçaram e se beijaram pela primeira vez. Até Hugo Cabret sentiria um pedacinho de inveja daquela cena toda. É notório que a milícia celeste vibrou e pela primeira vez, o bendito cupido pitoresco de Beatriz acertou uma flecha. Foram anos errando a mira, não dá nem para contar. Fato é, um anjo ganhou asas!
    A partir dali, confirmara-se o que as semanas de distância fizeram com eles - estavam realmente apaixonados. 
    Ele continuava tão lindo como a 20 anos atrás, agora usava um óculos que aumentava o charme. Perdoe-me meu amado Dante, não tenho em minhas lembranças você usando os óculos, quanta displicência da minha parte. Ah, e as pintinhas, as tão desejadas pintinhas, como já sonhou com essas pintinhas. Uma das maiores frustrações estéticas da infância era não ter sardas, mas sempre deu um jeitinho nisso, usava canetinha para fazê-las. 
    Lindo e com o mesmo jeitinho de sempre e agora de mãos dadas. Andar de mãos dadas sempre teve um significado muito importante para ela, e eles estavam agora realizando o segundo sonho dela, andar de mãos dadas. Aquele momento não deveria ser real, tudo tão perfeito que por vezes sentia medo de acordar daquele sonho. 
    Foram para o lugar combinado, lugar que ela escolheu - essa mania dela de segurar as rédeas - um lugar especial que remetia à sua infância e, naturalmente, repleto de história. Lá se sentaram para conversarem, ouvirem músicas e tomarem um vinho. Enquanto isso acontecia, ela o admirava sem acreditar que era ele, seu tão sonhado Dante. Certamente, conforme a história real de Alighieri e Portinari, ela teria também se apaixonado por ele com seus 8 ou 9 anos de idade, e se devotaria à ele por toda a eternidade, mesmo que platonicamente.
    Modéstia parte Beatriz estava linda! Clássica como sempre gostou de ser, estava vestida, elegantemente para ele. Naquele local, era tudo tão familiar e perfeito que a sensação era de que ambos já haviam vivido aquele momento em outra vida. 
    Ele tinha um cuidado tão grande com ela, um verdadeiro gentleman. Tudo era tão delicado que parecia um sonho: o jeito que tocaram suas mãos, que se abraçaram, se beijaram, se emaranharam e se amaram... Beatriz e Dante se amaram e se declaram, parecia que este amor estava sufocado há anos no peito, a vontade era de gritar para o mundo todo saber o quanto esse amor era de verdade, mágico e intenso. Cada pedacinho deles se encaixaram perfeitamente como num quebra cabeça. 
    Ah meu amado Dante como é bom poder te olhar... Você tem um sorriso lindo, o sorriso que me fez te querer desde sempre. Sorriso de menino tímido mas que faz a imaginação ultrapassar a fronteira da pureza. Quando estamos conversando, fico te admirando falar, o seu jeitinho de contar histórias é tão fofo, Tenho certeza de que fico com cara de apaixonada te escutando e isso é tão bom! Você é todo perfeitinho, abriria mão de qualquer estação só para passar o resto da vida te olhando. Eu te olho e suspiro, e a única coisa que consigo pensar é se tudo isso é de verdade, se você é de verdade, se o que nós estamos vivendo é de verdade e que eu não quero mais acordar desse encantamento. Você me olha com um carinho tão gostoso, sinto que quer me proteger de tudo de ruim e pesado que tem lá fora. O tempo poderia parar nesses momentos só para o mundo sentir o quanto a nossa energia e conexão são tão intensas. Acredito que a vida ficaria até mais leve para todo mundo. 
    Quando nos beijamos sinto ternura e desejo, me dá uma vontade de entrar no seu peito e sentir seu coração batendo forte e acelerando junto com o meu. Tenho uma desejo enorme de cuidar de você e te guardar num potinho para que nada de ruim te aconteça. É tão maravilhoso sentir você bem pertinho de mim, sinto que as nossa almas se tocam e que o céu fica até mais estrelado e iluminado quando isso acontece. A lua e o sol sentem inveja por não poderem se encontrar como nós podemos, apesar de que algumas vezes, nós também somos como eles. 
    Conversar com seus olhos é a sensação mais sublime do universo. Nada disso me dá medo dessa vulnerabilidade que vivo, dessa nudez de sentimentos, você conseguiu me deixar delicadamente fragilizada e deixar todo esse sentimento explícito e sem a menor condição de tentar escondê-lo. Você me desarmou completamente no Purgatório.  
    E quanto mais vulnerável me encontro, mais purifico minha alma até torná-la alva o bastante para quem sabe, receber a compaixão divinal de um dia alcançar a salvação e vivermos eternamente no lugar que só você tem a missão de me levar. 
    
    Para o meu amor

"Tão longamente me reteve Amor
E acostumou-se à sua tirania, 
Que, se a princípio parecia rude,
Suave agora me habita o coração.
Assim, quanto me tira tanto as forças 
Que os espíritos vejo me fugirem,
Então a minha frágil alma sinto
Tão doce que meu rosto empalidece,
Pois Amor em mim tem tanto poder 
Que faz os meus suspiros me deixarem
E saírem chamando
A minha amada, para dar-me alento. 
Onde quer que eu a veja, tal sucede,
E é coisa tão húmil que não se crê." 
 ALIGHIERI, Dante - Vita Nuova



Amo-te! 


Beatriz de Dante (às avessas). 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Escrevo te

 " - Juro! Deixe-me ver os olhos, Capitu.

Tinha me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas." 

As citações de Bentinho sempre irão fazer parte de algum contexto nas estórias desta que passa longe de ser uma Capitolina, apesar de achá-la um dos personagens mais fantásticos da literatura.  Às vezes se esbarram no gosto como por exemplo, o próprio Bento Santiago, um tipo peculiar com  semblante de candura, mas que a fazia suspirar e sentir um ciúmes agridoce. Ele sabia, no fundo, como deixá-la fora do prumo, mesmo se fazendo de besta. E em contrapartida, a beleza ardente de Escobar, cujo olhar a fazia se sentir despida. 

Os olhos nunca foram de dissimulação, pelo contrário, são olhos de jabuticabas redondinhas e madurinhas no pé. Olhos que gostam de mergulhar bem fundo e penetrar lá no âmago. Até lembram um pouco o olhar despudorado de Escobar, mas não teve a oportunidade de lançá-lo. Porém, já o colocou na lista de desejos alcançáveis. 

Perdoe-me, Bento Santiago da esquecível, mas nunca inesquecível célebre tarde de Novembro que eu nunca esqueci, mas agi como os acusadores condenaram Capitu: uma traidora. Entretanto, é sabido que jamais a condenei e nem a condenarei, pensamentos não são "traíveis", apenas confessáveis se a consciência sentenciá-los, e não farei um "mea culpa" se deleitei-me deles e neles. 

Não foi com Escobar, pois ele esteve apenas na mente de Bentinho. Até então tinham algumas semelhanças pois ambos eram platônicos, imaginativos, intocáveis, apesar da vontade ser de não apenas tocá-lo, mas de tê-lo bem perto, sentindo a temperatura aumentar e a respiração ofegar. O cheiro, o gosto, a textura da pele e dos cabelos. O tamanho do sorriso, a estatura, o porte e a intensidade do abraço. 

Foi assim, sem esperar, sem combinar, sem maiores produções, foi como uma negligência de quem se distrai e, num lapso muito curto toma um xeque mate depois de anos e anos de estratégias furadas tentando mexer uma peça de xadrez para se desencurralar. 

Como um desejo que se roga todos os dias, com os olhinhos fechados pedindo aos céus que se realize e numa despretensão, se é atendido. 

Talvez também, como aquelas mensagens que a gente envia sem esperar nada, mas querendo esperar tudo e de repente, eis que surge o presente mais desejado de várias cartas enviadas no Natal e não atendidas, por causa de algum mau comportamento que nem se lembra mais ter cometido. 

E foi assim, tipo Olavo e Bebel na cena mais previsível de todas, mas que fazia o coração dos que torciam por eles disparar, com o beijo que a calava no meio da frase antes que saísse algo inapropriado. "Repete! Eu sou uma piscininha." 

Não deu tempo de emagrecer, se maquiar, pentear os cabelos direito, procurar uma roupa adequada... Foi assim, meio Bridget Jones, totalmente atrapalhada, estabanada, sem saber o que fazer com as mãos, o que falar, como agir, como respirar direito com a intensidade daquele beijo, parecia até que era a sua primeira vez de tão tola que pareceu. Nunca imaginou que Monsieur Matelas pudesse fazer um estrago desses. 

Monsieur, aguardo-vos
para uma retratação e ratificação e muitas outras taças de vinhos, preciso continuar plantando aquela sementinha e mostrar que eu também tenho um ladinho que gostaria que você conhecesse. 

Despeço-me afirmando que "para te escrever eu antes me perfumo toda" e escrevo sorrindo. 


Um beijo,

Dra. Bia Flor 


Música - SZA - BMF

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Que hub!

Ela nunca foi muito fã de caras loiros dos olhos claros. Raríssimas foram as vezes que se envolveu com algum com essas características, apesar do destino ter escolhido um assim para o genitor do seu filho. O tipo é tão atípico em seu mundinho, que quando estava grávida imaginava uma criança morena dos olhos verdes, ou clara dos olhos pretos e a genética mandou um loirinho dos olhos castanhos claros. Nem cá, nem lá. 

Quase nulos eram os pretendentes parecidos com os príncipes da antiga Disney nada "woke". Até ela mesma, nunca curtiu as princesas, preferia as bruxas, bem mais complexas, elaboradas, sofisticadas e adoentadas psicologicamente. Quanto glamour! O apelido "Snow White" surgiu porque àquela época era a única princesa morena que existia. Nela não há resquícios de princesa, fazia mais o estilo Betty Boop, ninfeta culta, noviça espevitada, tanto que a bio do "Orkut" era: "nada aqui é low profile", seguida de "não add sem scrapt". Sempre fez o estilo pseudo tímida. Engraçado como as coisas mudam com a maturidade, outras, nem tanto. 

Atraia-se por homens exacerbadamente bonitos, esquisitos, inteligentes ou irritantemente perturbadores. Neste restrito rol de "qualidades", a maioria eram morenos ou, pelo menos longe dos tão sem sal "loiros dos olhos claros". E até hoje, o tal "Bento Santiago" da vida real é um moreno lindo, com o sorriso mais maravilhoso da face da terra. 

Sendo assim, e sendo agora, coincidência ou não, época de pré campanha eleitoral, pessoas em comum se esbarram, surgem novas figuras, nomes ressurgem e o acaso nunca é por acaso. 

Tem escutado demais o nome do "de cujo", ela mesma já o mencionou em alguma oportunidade profissional apenas para "especular" se anda bem cotado, cogitado, requisitado, desquitado, solteiro ou descasado como "dantes no quartel d'Abrantes". 

A figurinha só ficou conhecida na última eleição; como as pessoas são distraídas e têm memória curta! Ela já o havia notado quando ainda tinha cabelos meio compridos, quando as chances de qualquer tipo de contato eram inexistentes e ela estava disponível para viagens sem volta e até ir ao banheiro sozinha. Cruzava os dedos para algo dar errado ou até certo, dependendo do ponto de vista de quem iria sair lesado daquilo, que só de olhar já se via que não combinavam nem no branco dos olhos. 

Ela não só o havia reparado, como a louca da amiga mais louca já comprara a loucura dela. (Acho até que fará novas loucuras até o pleito terminar). Vinho, chocolates e o @. Quanto falta de criatividade e excesso de ousadia. Algum de vocês souberam deste feito? E isso foi 1 ano antes daquelas
eleições onde ele estava em voga. 

Quatro anos depois ele já caiu no esquecimento da mulherada desatenta e tomou um novo lugar no pódio eleitoral: a aversão, o que, contraditoriamente, o tornou mais próximo dela nem que seja só o nome, a fila da farmácia e um grande amigo. Que hub! 

E que os conluios se iniciem, amém! 

"Who are you gonna be
When you step outside?
You gotta make that lightning strike (...)"



Bia Flor


Música - Strike - Little Monarch

sábado, 13 de janeiro de 2024

Fascínio subjulgante

Ele a colocava medo só de ouvir seu nome. Todos afirmavam que era um carrasco, nada justo e as provas eram, extremamente, difíceis. Ela o conhecia apenas de vista, mas torcia para que jamais o conhecesse de verdade. Quem sabe, por sorte, ele pudesse não ser seu professor. De vista carregava uma péssima impressão e, apesar dos pesares, era esta que havia ficado. 

O tempo passava e ela temia a proximidade e a possibilidade de encontrá-lo parado no meio da sala de aula, como um dos seus professores. E como o pensamento atrai e o sentimento cria, aquela sina aconteceu. No seu último ano deu de cara com ele e não tinha como escapar, nem pela manhã, nem à noite. Era ele e pronto! O destino fadado ao fracasso seria certeiro porque com ele não havia misericórdia.

E assim seguiu seu destino, temendo, não entendendo a matéria, indo mal nas provas e sentindo desespero. 

Meio do ano e todo caos estava formado. Sem esperança alguma, sabia que seu fim seria o mesmo daqueles que enfrentaram a forca ou o fogo, em praça pública, se continuasse calada sem coragem de pedir ajuda. 

Confidenciava esse pavor a uns colegas próximos a à sua psicóloga e, se sentia a maior incompetente por não tirar uma nota mediana que fosse. A vontade de frequentar as aulas iam diminuindo cada vez mais e o ódio pela matéria era cada vez mais gigante. Não via solução, nem luz no final do túnel. E não poderia ser reprovada, isso seria a maior vergonha para os familiares e o troféu para seus inimigos, que não eram poucos. 

Até que o diabo resolveu mordê-la e os anjos começaram a rir da decisão patética e previsível que ela pretendia tomar. Porém, pura de coração, não teria a coragem de abordá-lo daquele jeito. Resolveu, juntar o resto de suas forças e  se dedicar mais às aulas dele, mesmo que tivesse que abrir o cérebro para entrar alguma coisa naquela sua cabeça de vento.  E foi assim. 

Todavia, o diabo que a havia mordido, vira e mexe tirava a atenção dela e focava em lugares e coisas que a deixavam magnetizada. O jeito de sentar na beirada da mesa para explicar a matéria destacava as coxas grossas e bem delineadas, mesmo sob o tecido da calça bem cortada. Ao virar para o quadro, ela o fitava esfomeada imaginando o que estaria debaixo daquele paletó. Às vezes, parecia que ele lia seus pensamentos e o tirava, aguçando mais aquela mente atormentada. 

Ao se sentar para fazer a chamada de presença, quando dizia o nome dela, quase não se ouvia a voz abafada, o que piorava, pois ela, várias vezes tinha que aumentar o tom, o que fazia com que ele a olhasse e notasse as bochechas enrubescidas. 

As semanas iam passando conforme o tempo, algumas apressadas, outras entediantes e os pensamentos iam invadindo cada vez mais aquele indivíduo que, aos poucos se tornara um tanto menos comum. À esta altura, ela já havia conjecturado situações inenarráveis entre eles. Porém, as notas continuavam ruins e o desespero bateu à porta. Por sorte não foi só à porta dela, o que a animou deveras e, pela primeira vez, o anjo lhe sorriu. Ele propôs algumas aulas onde explicaria os enunciados das provas, aulas para poucas e seletas pessoas, e neste golpe de misericórdia ela foi uma dos contemplados! 

Sempre fora vaidosa, adorava usar sapatos elegantes e até extravagantes, mas para essa primeira aula, que seria numa das salas do enorme escritório, para não chamar atenção demais, resolveu ir mais simples nos calçados. Eram um total de quatros alunos numa mesa retangular onde ele, sendo o líder, sentava-se na ponta, assim teria a visão de todos e vice-versa. E assim se decorreu a primeira aula. Como tarefa, eles levaram provas já ministradas para fazerem em casa. Aliviada, mal sabia que ainda enfrentaria desafios. Contando com as próximas aulas do mesmo estilo, recebeu a notícia de que, algo havia o desagradado e ele não daria mais as aulas para todos os quatro. Taxativamente, eliminou dois, logo, restaram dois. Desesperada, seu pensamento negativo a colocou na lista dos eliminados, mas o anjo estava de boa veia e ela não foi um dos excluídos. 

Próxima aula apenas dois alunos na mesma sala de reuniões. Agora não teria como fugir, se sentaria mais próxima dele. A produção foi bem mais elaborada. Banho tomado, cabelos penteados, pele macia e muito perfumada. Ao se sentar, sentiram-se os respectivos perfumes que enebriaram o ambiente. O cheiro de cigarros também podia ser sentido, todos ali fumavam na época, e a bala de hortelã aliviava o hálito que, inevitavelmente, ficara próximo. Foi a primeira vez que imaginou verdadeiramente beijá-lo, o que a fez suspirar e sentir o quão frágil aquela situação toda a tornara. No final da aula, ele deu uma prova para que eles resolvessem. Ela se saiu bem e ficou feliz, percebeu que aquilo era recíproco e, o viu como uma presa indefesa perante a aura imponente que a vitória momentânea havia criado em torno dela. A partir dali, a ideia de uma terceira aula se esvaiu, mas a promessa de que ele estaria ao lado dela no último teste foi anunciada. E ele cumpriu. 

Ali já sabiam, entre eles, que algo os instigava. As almas já haviam sido tocadas e não existia mais beneficência, apenas o resultado interessava e a vontade louca de extravasar todo aquele sentimento que sufocava aqueles corpos. 

E, por mérito, ela foi aprovada. Não houve troca de favores, nenhuma promessa, nenhum contrato. Ela foi para casa, mas no seu íntimo o desfecho não poderia ser esse, não apenas esse, precisaria encontrá-lo outras vezes, nem que fosse por acaso. As paixões não podem terminar assim, e, para si mesma, admitiu-se apaixonada por ele. 

Os dias passavam e a vontade de vê-lo a consumia como febre que faz padecer os corpos doentes. Assim se sentia, insanamente doente, e o único remédio para esse mal era vê-lo, apenas vê-lo. 

Mesmo fraca, levantou da cama e foi, formalmente e pessoalmente, entregá-lo o convite de formatura como forma de gratidão e alívio para sua necessidade. Entrou no elevador, desfilou pelos corredores e chegou até à sala dele, o local onde todas os episódios foram criados em sua mente. Ela o entregou, eles conversaram um pouco e ela se foi, não muito satisfeita, o destino não jogava a favor.  Porém, a história não pode terminar assim. Nenhuma paixão fora em vão até ali, apenas as platônicas, e definitivamente, aquela não se encaixava neste quesito.

E mais uma vez os dias iam passando, uns entediantes, outros menos. O ano ia terminando e ela teria que ir embora, mesmo que temporariamente. Aquilo a angustiava profundamente. A sensação de adeus era a pior e nada a entusiasmava.

Contudo, o diabo, aquele diabo que a mordeu lá no meio desse relato, resolveu arrancar um pedacinho dele. Óbvio que ela não sabia, mas com o convite, agora ele tinha o endereço dela e a sorte havia sido lançada. E numa dessas tardes de verão, abafadas, nubladas, sem graça, onde o chove e não molha só serve para atrapalhar os cabelos, assim que ela havia acabado uma produção mediana, porém alinhada para ir à padaria, inesperadamente, o interfone tocou. Por pouco ela não o atendeu, sempre detestou receber visitas que não avisavam que apareceriam, e de maneira nada entusiasmada e com muita má vontade, atendeu o interfone. Mal acreditava que aquilo estava acontecendo. Nos segundos que o elevador chegava, suas mãos tremiam de nervoso e não encontrava uma posição adequada para fingir abrir a porta com naturalidade. E ele surgia, com um terno cinza bem escuro, cheiro de cigarro misturado com perfume e bebida. 

O que aconteceu ficou entre eles. E jamais ela esqueceu aquele beijo tão esperado e intenso, tão esfomeado e compatível, com gosto de Whisky, saliva, virilidade e paixão. 


Lady 


Música: Let it Happen - Tame Impala

domingo, 5 de novembro de 2023

Antes de todas elas (Memórias, crônicas e declarações de desAmor)

Há 23 anos, talvez até esta exata hora, ela estava incólume da primeira decepção mais significativa que iria viver, mesmo o acaso dando sinais de que não era dia de sair de casa, apesar de ter sido convidada para um casamento. Não direi casamento especial, porque todos são, e isso seria redundância, mas aquele, estaria fadada à primeira apunhalada no peito, que doeu e ela sentiu sozinha. E hoje, resolveu, vos contar.

A história da gata que não era borralheira. 

Era um Sábado, assim como o de hoje, e ela foi convidada para um casamento, o qual já começou a dar problemas assim que chegou para o evento. Ao fazer as malas, não trouxe as roupas necessárias, apenas os cabides. A noite anterior tinha sido bem animada. 

Chegou na casa dos pais e não levou uma roupa de festa sequer. E começou o corre para encontrar uma que fosse adequada para um casamento importante. Resumamos esta parte. Encontrou um traje sofisticado porém, nada padronizado, e isso já chamou a atenção. Sem deixar de constar que o secador de cabelos estourou no meio do processo, e teve que secar o restante dos cabelos molhados com a piastra, que destruía aquelas madeixas castanhas e compridas.

Nessa época, Bia Flor nem imaginava que seria criada. Ela estava em processo de vestibular e cá para nós, antes disso, nada era tão interessante para ser notificado neste espaço. Aliás, nem blogs existiam. 

Digamos que este blog virou um tipo de "memórias póstumas" para serem lembradas no funeral e após ele. Historias que não podem ser sepultadas junto com o grande coração dilacerado dela.

Retomemos: Apesar de tudo conspirar contra, acabou chegando ao casamento à tempo de cumprimentar os noivos. Protocolos.

Como não havia chegado dias antes, não conheceu os amigos da noiva que estavam na cidade e isso já gerou um "mal estar" nas outras que estavam pleiteando um tal Gaspar desde os dois dias anteriores. 

Sempre se achou inferior, mas possuía algo magnético e diferente das demais. Talvez o excesso de cultura, o bom gosto musical, o nariz arrebitado, os pés lindos e um 'Q' de arrogância. Não sabia quem era o disputado da vez e nem tinha interesse nesse detalhe, afinal, se sentia meio peixe fora d'água naquela situação. Mas entre olhares, ele a tirou para dançar. Não se lembra agora a música, mas poderia muito bem ser alguma do Barry White - detalhe importante. 

E assim que se apresentaram, ele elogiou os pés dela, calçados num par de sandálias lilás com pedras coloridas, bem delicadas. É atípico, mas os pés são, de fato, bonitos. 

Ele era uma mistura de Nicolas Cage com Kevin Costner, aqueles olhos azuis que davam medo de mergulhar profundamente. O porte atlético, a idade um pouco avançada para ela, que à época, tinha 20 e bem pouquinho anos e ele um pouco mais. E não só isso, um perfil de cara poderoso e dono de si, independente, bem resolvido (aparentemente) e muito, muito bem sucedido. Isso a deixava insegura e ao mesmo tempo deslumbrada. Mas foi apenas uma dança, e até aqui, nada mais.

Todavia, aqueles olhos azuis, e aquela pinta no rosto já haviam à incomodado o suficiente para fazer com que os noivos se tornassem coadjuvantes na festa. Continuou no seu canto, apenas trocando olhares. 

A festa acabou e os insaciáveis queriam mais, e acabaram indo para uma boate perto, onde "passar cerol na mão, mostrar que sou tigrão, te dar toda pressão" era o hit do momento, confesso que nada adequado para aquele tanto de homens com ternos bem cortados e alinhados, e moçoilas elegantes e alcoolizadas, mas era o que tinham naquele momento. 

Entre sinais, acabou fingindo que o pai a ligava e foi embora. E se o destino tivesse sido bacana com ela, esta narrativa terminaria aqui, mas ele quis que ela recebesse, de fato, uma ligação que pedia para esperar na porta de casa. E sentou na sarjeta, de maneira deselegante e desinteressada pois para ela, aquela noite terminaria ali. O cansaço havia batido, e queria entrar para dormir.

Com a cabeça sob os joelhos, o cabelo cobrindo o rosto, eis que vira a esquina o príncipe encantando num Alfa Romeo verde escuro, agora escutando, Whitney Houstoun. Não queridos, não era um playboy ouvindo música eletrônica, exibindo o carro do pai e mostrando o bíceps braquial malhado, com o cotovelo para fora da janela do carro. Era ele, "The Bodyguard" ou "Gone in the Sixty Seconds", era o Gaspar e seus olhos azuis vindo resgatar a gata não borralheira cheia de sono. 

Eles foram dar uma volta para conversar um pouco, e quanto mais escutava, mais deslumbrada ficava, tanto com o que conversavam, quanto o que ouviam de música. Ele era um gentleman e ela, uma menina que tinha acabado de entrar numa faculdade e tinha outros vestibulares para fazer. Ele, um homem estabilizado, ela uma menina começando a conhecer o mundo sem os pais. E ambos ouviam os mesmos tipos de músicas e mantinham um papo no mesmo nível. 

Conversaram até quase amanhecer, e a partir daí, se falavam quase todos os dias mesmo com uns 1000km de distância, e convites para jantares em cidades diversas, os quais eram totalmente fora da realidade dela. E Novembro, sempre Novembro, se acabou e Janeiro, logo chegou. 

E eles se viram todos os dias, apesar de ela ter descoberto que ele tinha uma noiva, o que a deixou magoada por ter mentido, mas continuaram se vendo. Ela tentando não se envolver pois a história teria que terminar ali. 

E se despediram, ele iria viajar de férias, e ela,  fazer mais um vestibular. E depois, não se veriam mais. 

Com a notícia de que havia passado em Direito, recebeu a notícia de que ele estava voltando para vê-la e havia terminado o tal noivado. Os olhos brilharam e foi assim todos os dias daquele carnaval de 2001, os mais perfeitos e cheios de planos para dali um ano se mudar para a cidade dele e começarem uma outra etapa, agora, acompanhada de verdade. Pareciam apaixonados e certos de que os planos iam se concretizar.  Assim, ela retornou para sua cidade, e ele para a dele, na expectativa de que, em breve, estariam juntos novamente. 

E os dias iam passando, outros arrastando, eles se falavam, trocavam mensagens e emails, mas a frequência foi diminuindo. Os dias eram corridos para ela que fazia duas faculdades e para ele que vivia viajando para fazer audiências. E assim, alguns telefonemas começaram a se desencontrar, mensagens na caixa postal, celular fora de área ou desligado... Até que, numa Terça feira, às 01:15h ela recebe uma mensagem na caixa postal que dizia: ""Princesa", eu não tenho atendido suas chamadas porque eu voltei para a minha noiva".

Pois então, caros leitores, faltou ar, assim como agora, ao transcrever isso, os olhos lacrimejaram e os planos... Não seriam mais planejados. Doeu, doeu da mesma maneira que dói quando ela se lembra disso. E assim, a tecnologia faz um "amor" se acabar, sem ter que se dar maiores satisfações, ou num português claro, sem o cara ter culhão para terminar o relacionamento de forma adequada. Em lapsos de segundos conheceu o primeiro cafajeste. 

A partir dali, nunca mais ligou para ele. Mas ele ainda a ligou, bêbado, dizendo que estava arrependido, e que iria dar um jeito na situação. Que sentia saudades dela e falta da leveza que ela levava para ele. Porém, nada aconteceu. E a história do ex gentleman e da plebeia universitária termina aqui. 

"Eu conheço todo jeito, todo vício, sem te tocar, Choro indo, chôro vindo, conheço o fascínio, alto de altar. Desconheço a certeza que lhe fez exagera e abrir meus poros. Cavar flores sem lhe ver, chega pra envolver, envolver querer. Lavar flores sem lhe ver, chega pra envolver, envolver querer. Lavrador ou semideus, queima de amor, seja como for, tema de amor."

Ela poderia contar a parte sórdida do pós telefonema, mas é melhor poupar os personagens, já que nunca mais tiveram notícias um do outro, a não ser pelas matérias da "Folha de São Paulo" sobre um tal escândalo do "Mensalão". Famoso "Troféu Bigodagem"!

Pois diga ao livramento que, aquela menina do interior, manda lembranças. 


Bia antes da Flor
 


Música - Run to you - Whitney Houstoun