quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O seu verso favorito

     Toda história presume-se ser escrita por partes, e esta, bem diferente das demais, por enquanto, se divide em 2 capítulos. 
    Comecemos, então pela ordem cronológica dos fatos. 

Introdução

    Era uma vez... Brincadeiras à parte, não se trata de contos de fadas, irreais, às vezes com requintes de crueldade (apesar de que, algumas das personagens sejam malvadas - talvez participem de algum capítulo por aqui). Não teremos lenhadores, espelhos que falam, maçãs envenenadas, casinhas de doces, bruxas malvadas, caldeirões com poções mágicas, convidados rejeitados, feitiços e muito menos uma princesa sem sal e um príncipe blasé. Capitu, Bentinho e Escobar, sem chances também. 
    Comparemos com o amor de Beatriz e Dante às avessas, e assim sendo, iniciemos por aqui. 

Capítulo I 

"Nitimur in vetitum semper, cupimusque negata"

    Eram jovens, belos e apenas conhecidos. Ah, a beleza sempre a encantou, e hoje compreende o porque de admirar e se deleitar tanto com isso. A beleza é divina, tem um valor tão importante quanto a verdade e a bondade, e foi assim que durante anos, apesar de apenas admirá-lo fisicamente, eram quase palpáveis a beleza e a bondade.
    Não eram de passar horas conversando ainda que se esbarrassem na noite. Poucos minutinhos de papos superficiais e tentativas frustradas de investimentos da parte dela. Diz-se que ele não percebia, deixemos subentendido. E assim seguiam, cada um com a sua vida. Pouco se sabiam um do outro, mas ela o olhava, afinal, não existia nada de mal nisso, olhava-o sem desrespeitá-lo, porém, por vezes, desejava-o, não aquele desejo pervertido e lascivo. E assim, seguiram, ele com sua Beatriz, e ela, sem Dante. 
    No entanto, o inferno de Beatriz quis afastá-los por anos a fio. Sem opção e com muitos dedos apontados, acorrentaram-na num destino infeliz, dolorido, vazio, sem sentido e sem propósito. Sua redoma explodiu, o castelo desabou, machucaram-na física e psicologicamente. Viu-se sozinha, desemparada e sem suas mãos dadas. Seu único amor partira e a vida resolveu esbofeteá-la. Realmente, o inferno não foi um lugar bom de se viver, mas era o que tinha. Fora condenada por pecados jamais cometidos, jogada ao léu, julgada por todos. 
    Parece que Deus se compadeceu desse sofrimento, e num sopro de caridade resolveu presenteá-la com mãos pequenas, porém repletas de amor, um amor diferente de todos que já havia conhecido, um amor capaz de matar e morrer, um amor iluminado e que a salvou das trevas fétidas e imundas, do calor e do gelo que a queimavam e faziam doer a alma. E o Juiz Eterno a concedeu acesso a uma outra instância, fora viver no Purgatório, privilégio inexistente para quem conhece a escuridão, mas a intercessão dos seus anjos promotores convencera o júri celestial de que ela merecia uma única chance por ter se portado de maneira "...soberba, gigante. Sua existência justificada naquilo que de mais nobre se justifica a vida." 

Capítulo II 
    
"Ichi bin wahrschenlinch nitcht dein erster Partner, Kuss oder Liebe, aber ich wurder gerne dein letzter sein."


    E foi assim, vivendo seu Purgatório na terra que passava os dias. Ligada no automático, por vezes desleixada, desmotivada e completamente despedaçada por dentro e por fora, apesar de ter um amor que a fizesse ter uma força escomunal para enfrentar todas as más sortes que surgiam. O amor que toda mulher deveria sentir, amor imaculado, puro, pulcro. O amor que exala o perfume de Deus, amor que a fazia sorrir, já que, devido ao cansaço exacerbado, não conseguia mais chorar. O amor que dá significado à vida, completude, a razão verdadeira de se existir, de não entregar os pontos, o amor da criação. 
    Por fora já havia desistido de se tornarem três, quatro, cinco... Eram apenas os dois e sem brecha alguma para outra pessoa adentrar no seu mundo materno. Uma única tentativa cheia de mentiras e sem planos futurísticos a fez realmente se fechar por dentro. A preguiça de uma ação era muito maior do que a chance de se movimentar. Interessava-se com a mesma rapidez que se desinteressava. Nada valeria uma noite sem dormir, uma produção um pouco mais elaborada, absolutamente nada. Às vezes um fogo de palha que se apagava com o menor ventinho de final de tarde ou início da manhã. O entusiasmo e o sangue que davam gás eram apenas os assuntos políticos, ali era onde extravasava toda energia acumulada, onde aconteciam as conspirações, os planejamentos e o sentimento de poder. Ali era o que a trazia para motivação, onde surgia o tesão, a realização de estar onde sentia prazer. 
    Porém, em meio à dias tediosos e desmotivados, resolveu dar uma olhadinha num tal aplicativo constrangedor, bizarro e sem propósito. Um conversante? Talvez, mas com muita preguiça! Um encontro? JAMAIS! Naquele lugar nunca teve nada interessante, não seria diferente agora. Mas a curiosidade e o deboche surgiam e fizeram-na com que zerasse aquele mundo baixo por várias vezes. 
    Já sem a menor paciência para as notificações, e para surpresa de zero pessoas pegou o celular para desinstalá-lo. A última olhadela e pronto, daqui uns cinco anos quem sabe reinstalaria para dar mais algumas risadas? Até que um rosto conhecido apareceu. Ficou estática por uns 10 minutos sem saber se clicaria no tal coraçãozinho, um filme se passou pela cabeça e com a única intenção de ter notícias recentes a fez clicar. Ele tinha uma Bia... Como será que a Bia estaria? Certeza de que ele escolheu esse nome em homenagem à Beatriz de Dante às avessas. Era óbvio que escolheria o nome mais bonito do mundo para ela. A modéstia nunca fora uma perfeição, afinal ter um nome desses... Dante nunca cometeria o erro de se apaixonar por outra pessoa, senão Beatriz. 
    Em poucos minutinhos, ambos já estavam conectados. O "apenas saber como ele está" caiu no esquecimento e virou "vício". Conversaram por horas e horas, "e a vontade crescia como tinha de ser".
    Os dias subsequentes foram uma loucura, perdiam-se sono, hora, responsabilidades se acumulavam, noção e até o juízo. Em contrapartida, apenas a tela do celular já não era mais o suficiente, precisavam se reencontrar. Necessitavam sentir a energia pessoalmente, olharem-se nos olhos, se enxergarem mesmo. Entre agendas tumultuadas deram um jeito e aquela sexta-feira fria e chuvosa chegou.
    Já estavam no mesmo local, porém não se encontraram ainda. Pela primeira vez, após anos, ela iria se produzir para um encontro. Tudo minuciosamente planejado, o script não poderia sair do roteiro, pelo menos não o que ela construíra em sua cabecinha de vento.  A cada minuto que passava, o nervosismo aumentava, o coração acelerava, a boca secava, a respiração tornava-se curta, as mãos tremiam e a insegurança surgia. Já não era mais aquela menina tão bonita e com um corpo em forma. A idade, a maternidade, o metabolismo e o colágeno foram um pouco cruéis com a "garota da vitrine" - talvez estes tenham sido um dos piores castigos que o Purgatório lhe proporcionara - sua imagem refletida num espelho real. 
    C'est le grand moment - Eles se viram! E é óbvio que ela sorriu! Assim como escreve sorrindo e com o coração acelerado em se lembrar daquele momento MÁGICO! Era ele, seu Dante! A partir dali sabia-se que Deus, novamente, ouviu seus intercessores. Quanta vezes, secretamente, ela pedia para que um dia fosse digna de merecer alguém que a fizesse sair do prumo. Por mais dura que tenha sido consigo, se fechando para um outro tipo de amor, mentindo para si, se sabotando, no fundo do coração, ela sabia que ela precisava ser "salva". O inimaginável estava diante dela, e parafraseando o mesmo - "FOI LINDO!" Gentilmente ele a ajudou a descer o degrau, eles se abraçaram e se beijaram pela primeira vez. Até Hugo Cabret sentiria um pedacinho de inveja daquela cena toda. É notório que a milícia celeste vibrou e pela primeira vez, o bendito cupido pitoresco de Beatriz acertou uma flecha. Foram anos errando a mira, não dá nem para contar. Fato é, um anjo ganhou asas!
    A partir dali, confirmara-se o que as semanas de distância fizeram com eles - estavam realmente apaixonados. 
    Ele continuava tão lindo como a 20 anos atrás, agora usava um óculos que aumentava o charme. Perdoe-me meu amado Dante, não tenho em minhas lembranças você usando os óculos, quanta displicência da minha parte. Ah, e as pintinhas, as tão desejadas pintinhas, como já sonhou com essas pintinhas. Uma das maiores frustrações estéticas da infância era não ter sardas, mas sempre deu um jeitinho nisso, usava canetinha para fazê-las. 
    Lindo e com o mesmo jeitinho de sempre e agora de mãos dadas. Andar de mãos dadas sempre teve um significado muito importante para ela, e eles estavam agora realizando o segundo sonho dela, andar de mãos dadas. Aquele momento não deveria ser real, tudo tão perfeito que por vezes sentia medo de acordar daquele sonho. 
    Foram para o lugar combinado, lugar que ela escolheu - essa mania dela de segurar as rédeas - um lugar especial que remetia à sua infância e, naturalmente, repleto de história. Lá se sentaram para conversarem, ouvirem músicas e tomarem um vinho. Enquanto isso acontecia, ela o admirava sem acreditar que era ele, seu tão sonhado Dante. Certamente, conforme a história real de Alighieri e Portinari, ela teria também se apaixonado por ele com seus 8 ou 9 anos de idade, e se devotaria à ele por toda a eternidade, mesmo que platonicamente.
    Modéstia parte Beatriz estava linda! Clássica como sempre gostou de ser, estava vestida, elegantemente para ele. Naquele local, era tudo tão familiar e perfeito que a sensação era de que ambos já haviam vivido aquele momento em outra vida. 
    Ele tinha um cuidado tão grande com ela, um verdadeiro gentleman. Tudo era tão delicado que parecia um sonho: o jeito que tocaram suas mãos, que se abraçaram, se beijaram, se emaranharam e se amaram... Beatriz e Dante se amaram e se declaram, parecia que este amor estava sufocado há anos no peito, a vontade era de gritar para o mundo todo saber o quanto esse amor era de verdade, mágico e intenso. Cada pedacinho deles se encaixaram perfeitamente como num quebra cabeça. 
    Ah meu amado Dante como é bom poder te olhar... Você tem um sorriso lindo, o sorriso que me fez te querer desde sempre. Sorriso de menino tímido mas que faz a imaginação ultrapassar a fronteira da pureza. Quando estamos conversando, fico te admirando falar, o seu jeitinho de contar histórias é tão fofo, Tenho certeza de que fico com cara de apaixonada te escutando e isso é tão bom! Você é todo perfeitinho, abriria mão de qualquer estação só para passar o resto da vida te olhando. Eu te olho e suspiro, e a única coisa que consigo pensar é se tudo isso é de verdade, se você é de verdade, se o que nós estamos vivendo é de verdade e que eu não quero mais acordar desse encantamento. Você me olha com um carinho tão gostoso, sinto que quer me proteger de tudo de ruim e pesado que tem lá fora. O tempo poderia parar nesses momentos só para o mundo sentir o quanto a nossa energia e conexão são tão intensas. Acredito que a vida ficaria até mais leve para todo mundo. 
    Quando nos beijamos sinto ternura e desejo, me dá uma vontade de entrar no seu peito e sentir seu coração batendo forte e acelerando junto com o meu. Tenho uma desejo enorme de cuidar de você e te guardar num potinho para que nada de ruim te aconteça. É tão maravilhoso sentir você bem pertinho de mim, sinto que as nossa almas se tocam e que o céu fica até mais estrelado e iluminado quando isso acontece. A lua e o sol sentem inveja por não poderem se encontrar como nós podemos, apesar de que algumas vezes, nós também somos como eles. 
    Conversar com seus olhos é a sensação mais sublime do universo. Nada disso me dá medo dessa vulnerabilidade que vivo, dessa nudez de sentimentos, você conseguiu me deixar delicadamente fragilizada e deixar todo esse sentimento explícito e sem a menor condição de tentar escondê-lo. Você me desarmou completamente no Purgatório.  
    E quanto mais vulnerável me encontro, mais purifico minha alma até torná-la alva o bastante para quem sabe, receber a compaixão divinal de um dia alcançar a salvação e vivermos eternamente no lugar que só você tem a missão de me levar. 
    
    Para o meu amor

"Tão longamente me reteve Amor
E acostumou-se à sua tirania, 
Que, se a princípio parecia rude,
Suave agora me habita o coração.
Assim, quanto me tira tanto as forças 
Que os espíritos vejo me fugirem,
Então a minha frágil alma sinto
Tão doce que meu rosto empalidece,
Pois Amor em mim tem tanto poder 
Que faz os meus suspiros me deixarem
E saírem chamando
A minha amada, para dar-me alento. 
Onde quer que eu a veja, tal sucede,
E é coisa tão húmil que não se crê." 
 ALIGHIERI, Dante - Vita Nuova



Amo-te! 


Beatriz de Dante (às avessas). 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Escrevo te

 " - Juro! Deixe-me ver os olhos, Capitu.

Tinha me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas." 

As citações de Bentinho sempre irão fazer parte de algum contexto nas estórias desta que passa longe de ser uma Capitolina, apesar de achá-la um dos personagens mais fantásticos da literatura.  Às vezes se esbarram no gosto como por exemplo, o próprio Bento Santiago, um tipo peculiar com  semblante de candura, mas que a fazia suspirar e sentir um ciúmes agridoce. Ele sabia, no fundo, como deixá-la fora do prumo, mesmo se fazendo de besta. E em contrapartida, a beleza ardente de Escobar, cujo olhar a fazia se sentir despida. 

Os olhos nunca foram de dissimulação, pelo contrário, são olhos de jabuticabas redondinhas e madurinhas no pé. Olhos que gostam de mergulhar bem fundo e penetrar lá no âmago. Até lembram um pouco o olhar despudorado de Escobar, mas não teve a oportunidade de lançá-lo. Porém, já o colocou na lista de desejos alcançáveis. 

Perdoe-me, Bento Santiago da esquecível, mas nunca inesquecível célebre tarde de Novembro que eu nunca esqueci, mas agi como os acusadores condenaram Capitu: uma traidora. Entretanto, é sabido que jamais a condenei e nem a condenarei, pensamentos não são "traíveis", apenas confessáveis se a consciência sentenciá-los, e não farei um "mea culpa" se deleitei-me deles e neles. 

Não foi com Escobar, pois ele esteve apenas na mente de Bentinho. Até então tinham algumas semelhanças pois ambos eram platônicos, imaginativos, intocáveis, apesar da vontade ser de não apenas tocá-lo, mas de tê-lo bem perto, sentindo a temperatura aumentar e a respiração ofegar. O cheiro, o gosto, a textura da pele e dos cabelos. O tamanho do sorriso, a estatura, o porte e a intensidade do abraço. 

Foi assim, sem esperar, sem combinar, sem maiores produções, foi como uma negligência de quem se distrai e, num lapso muito curto toma um xeque mate depois de anos e anos de estratégias furadas tentando mexer uma peça de xadrez para se desencurralar. 

Como um desejo que se roga todos os dias, com os olhinhos fechados pedindo aos céus que se realize e numa despretensão, se é atendido. 

Talvez também, como aquelas mensagens que a gente envia sem esperar nada, mas querendo esperar tudo e de repente, eis que surge o presente mais desejado de várias cartas enviadas no Natal e não atendidas, por causa de algum mau comportamento que nem se lembra mais ter cometido. 

E foi assim, tipo Olavo e Bebel na cena mais previsível de todas, mas que fazia o coração dos que torciam por eles disparar, com o beijo que a calava no meio da frase antes que saísse algo inapropriado. "Repete! Eu sou uma piscininha." 

Não deu tempo de emagrecer, se maquiar, pentear os cabelos direito, procurar uma roupa adequada... Foi assim, meio Bridget Jones, totalmente atrapalhada, estabanada, sem saber o que fazer com as mãos, o que falar, como agir, como respirar direito com a intensidade daquele beijo, parecia até que era a sua primeira vez de tão tola que pareceu. Nunca imaginou que Monsieur Matelas pudesse fazer um estrago desses. 

Monsieur, aguardo-vos
para uma retratação e ratificação e muitas outras taças de vinhos, preciso continuar plantando aquela sementinha e mostrar que eu também tenho um ladinho que gostaria que você conhecesse. 

Despeço-me afirmando que "para te escrever eu antes me perfumo toda" e escrevo sorrindo. 


Um beijo,

Dra. Bia Flor 


Música - SZA - BMF